Batman Futebol Clube
O time de futebol oficial do Homem-Morcego movimentou os leitores da primeira revista do herói no Brasil
“Futebol é a razão toda da vida”. As palavras não são minhas (que nem gosto de futebol), mas do editor dos gibis do Batman lançados em nosso país ao longo dos anos 1950 pela Ebal. E parece que ele estava certo, visto que o esporte agitou até mesmo a série em quadrinhos do Homem-Morcego na época com a fundação do Batman Futebol Clube, uma iniciativa patrocinada pela editora. Sem ficar claro se foi uma estratégia proposital para alavancar as vendas do título do herói ou um golpe de sorte, a Ebal atiçou os ânimos do público ao recorrer ao amor dos leitores pelo futebol.
A euforia com o Homem-Morcego era grande em 1953, já que o personagem ganhara sua primeira série mensal no Brasil em março daquele ano. A empolgação era tanta que, em Batman 2, o leitor Ricardo Juljan Dworzak, de São Paulo, SP, disse em carta que ele e os amigos, grandes fãs do Homem-Morcego, fundaram na capital paulista o Clube Infanto-Juvenil Batman, uma associação de jovens comprometida com bons modos e cujos membros se obrigavam a respeitar ações de cidadania como “andar sempre correto”, “não mexer com os outros” e “não promover brigas na rua”. Ricardo informava ainda que os membros teriam vantagens como ler os gibis do clube e contar com amigos para brincadeiras, e explicou que os interessados em se associar deveriam pagar uma mensalidade que financiaria um time de futebol e a compra de bolas e uniformes. Foi o que puxou a resposta do editor: “Se o futebol é a razão toda da vida, por que não fazer logo um Batman Futebol Clube?”.
A ideia foi lançada com entusiasmo, como ficou claro no restante da resposta do editor: “A revista Batman estará pronta a colaborar nessa organização. Para cada time que se formar, forneceremos os escudos do nosso ‘herói’. E, possivelmente, até as próprias bolas e camisas. Que nos dizem da ideia? Vamos espalhar o Batman F. C. pelo Brasil afora? Vamos tornar o Batman F. C. campeão das canchas e fazer um Campeonato Nacional de todos os Batman F. C.? Vamos? Escrevam depressa”. O entusiasmo foi correspondido pelos leitores, que enviaram cartas de pronto a Ebal garantindo suas inscrições, perguntando detalhes e desejosos de receber os artigos prometidos.
No gibi Batman 5, de julho de 1953, quando o assunto voltou a ser abordado, o editor informou que 53 leitores escreveram demonstrando interesse em compor um Batman Futebol Clube em suas cidades. Foi quando estipulou-se que a Ebal reconheceria apenas um time nos pequenos municípios e um por bairro nas cidades grandes. Além disso, foi determinado o dia 30 de agosto daquele ano como a data limite para as inscrições dos interessados. E o editor ainda concluiu de maneira efusiva: “Hip! Hip! Hurra! Ao mais divulgado clube da rapaziada, o Batman Futebol Clube”. Aos poucos, aquele entusiasmo sumiria conforme a ideia se tornava um problema.
Mais de 300 leitores escreveram à redação na época, dos quais 216 estavam dentro do prazo e pleiteavam o reconhecimento de seus clubes e os artigos prometidos. Por um lado, isso foi um grande feito para a Ebal, em especial para a revista do Homem-Morcego, como apontou o editor na edição 13 (março de 1954): “Poucas revistas desta editora, em tão pouco tempo, mantiveram tão grande correspondência com os leitores quanto Batman. E isso certamente se deve à ideia que tivéramos de apoiar a criação de um clube de futebol. A correspondência tem sido monstruosa”. Por outro lado, ficou claro que a situação começava a sair do controle e muitos leitores estavam impacientes. Um deles – de sobrenome muito apropriado – foi Glasson Weyne (com “e”) Rodrigues, que escreveu: “Sr. Diretor, a maior parte dos seus assíduos leitores de minha turma (do time) está perdendo a confiança nessa revista. Dizem eles que as camisas não chegam e, que, se tivessem que vir, já teriam chegado”.
Não demorou para a Ebal ver o tamanho da encrenca logística em que se meteu, pois eram vários os clubes Brasil afora, todos aguardando por reconhecimento e, claro, pela ajuda prometida. A relação dos inscritos divulgada em Batman 17 (julho de 1954) mostrava que em muitas cidades havia inscritos suficientes para formar vários times, enquanto em outras sequer era possível completar um. Antes de reconhecê-los, seria preciso que os garotos da cada município se organizassem, formassem o Batman Futebol Clube da cidade e só então aguardassem pelo reconhecimento da editora. Só depois de oficializado, o time receberia os cobiçados acessórios, como se deu com o Batman Futebol Clube de Fortaleza, CE, que foi até notícia de um jornal local ao vencer outras equipes da cidade e posou paramentado para foto. Na edição 22 (dezembro de 1954) foi notificada a vitória do B.F.C. de São Paulo em partidas na cidade, equipe que também recebeu os itens para jogo.
Passados vários meses desde o início da ideia e após lidar com tantas chateações de ordem prática e temerosa do ônus financeiro da empreitada, a Ebal anunciou, no segundo semestre de 1955, o fim de seu apoio aos clubes que jogavam com a insígnia do morcego. Isso não freou a gana dos fãs, que continuaram a escrever e a pedir apoio, como se viu meses depois, na edição Batman 38, de abril de 1956, em que o editor da série deixou clara sua irritação. Diz ele na seção de cartas: “Já há cinco meses estamos publicando a nossa resolução de não mais apoiar a fundação de qualquer Batman F. C. e a nossa resolução de não mais falar no assunto (…). Ora, já é caso superado! Por serem mais de mil as inscrições de Batman Futebol Clube nas mais variadas cidades e localidades do país, temos resolvido nos eximir do patrocínio que julgávamos poder fazer quando do lançamento do plano. Vamos não falar mais do assunto? Vamos suspender a correspondência sobre os Batman Futebol Clubes? Vamos! Vamos! Vamos!”.
Hoje são poucos os que se recordam dos times de futebol que ganharam os gramados com a insígnia do morcego tal qual Batman ganha a noite. Aos que testemunharam aqueles jovens cavaleiros das trevas em ação, ficou a emoção de ver o entusiasmo de crianças que uniram a paixão pelos quadrinhos e pelo futebol. Aos editores da Ebal, ficou a dúvida se a fundação dos Batman Futebol Clubes foi um gol contra ou um gol de placa.
Batman Futebol Clube de Fortaleza, CE. 1954
Essa foi a edição 98 da newsletter SOC TUM POW, e com ela trago a capa de mesmo número de alguma série em quadrinhos. Como Batman dominou o tema parece adequado resgatar uma capa do Homem-Morcego, e a escolhida foi a de Batman: Legends of the Dark Knight 98 (1997), com ilustração e cores de Sean Phillips, também o artista da trama. Por mais estranho que pareça, essa edição nunca foi publicada no Brasil.
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Não fazia ideia dessa história! Que fantástico!!
Que matéria massa, não fazia idea que tinha existido isso 🥰