Brilho inesquecível
A heroína Estrela de Fogo marcou o coração dos fãs na TV e ganhou força nos gibis em um trabalho feito por várias mulheres da Marvel
Acredito não ter sido o único apaixonado pela Estrela de Fogo e acho que muita gente suspirava ao vê-la em chamas rasgando os céus de Nova York na série animada Homem-Aranha e seus Incríveis Amigos. Bastou eu falar da heroína em um grupo de WhatsApp para alguém revelar: “Conheci ela no desenho e também me apaixonei”. A personagem foi criada para a animação de 1981 como uma das aliadas do Aranha, e não demorou para aquela garota flamejante se tornar a dona do meu jovem coração nos anos 1980, quando a animação era exibida no Brasil pela Globo. Dias atrás, quando eu soube de um grande projeto da Marvel lançado há quase 40 anos para emplacar a heroína também nas HQs, senti reacender aquela antiga paixão que parecia apagada.
A migração da heroína para as HQs não é novidade para mim, pois acompanhei suas aventuras ao lado da equipe de heróis adolescentes Novos Guerreiros nos anos 1990. Por eu ter tomado aquela fase como sua estreia nos gibis, fiquei surpreso ao saber de sua aparição em uma minissérie de 1986.
A revelação veio a mim ao ler a seção de cartas da antiga edição Homem-Aranha 53 (Ed. Abril), de 1987, em que um leitor pergunta: “Há algum tempo passava um desenho animado do Homem-Aranha, com a participação do Homem de Gelo e da Estrela de Fogo. Sei quem é o Homem de Gelo, mas quem é essa Estrela de Fogo?”. A ele, o editor Sérgio Figueiredo responde: “A Estrela de Fogo (Firestar) foi criada para a tevê, mas, posteriormente, foi introduzida no Universo Marvel através de uma minissérie de quatro capítulos desenhada por Mary Wilshire (conhecida pelo seu trabalho com Sonja, a Guerreira Ruiva). Esa série não é conhecida pelos brasileiros, consequentemente, a Estrela de Fogo também não”.
A tal minissérie mencionada por Figueiredo saiu nos Estados Unidos em 1986 (três anos após o fim do desenho animado do Aranha) e foi protagonizada pela personagem. A heroína já tinha feito uma aparição rápida em The Uncanny X-Men 193 (1985), essa sim sua verdadeira edição de estreia no Universo Marvel, na qual enfrentou os X-Men como uma jovem mutante desencaminhada, mas foi na minissérie Firestar que Angelica Jones, a Estrela de Fogo, teve a chance de brilhar, como explica o roteirista Tom DeFlaco. “Devido às restrições da TV no sábado de manhã, faltava profundidade a ela. Em geral, costumamos pegar personagens complexos e repletos de conflitos [dos quadrinhos] e simplificá-los para serem retratados nas animações da TV. Agora, estamos pegando uma personagem criada para um desenho e adicionando personalidade e profundidade a ela”, revelou o autor da minissérie em entrevista concedida na época da produção da HQ.
DeFalco conseguiu seu intento ao mostrar Angelica Jones como uma jovem mutante confusa que teve a infelicidade de ser aliciada pela maligna telepata Emma Frost antes de ser acolhida pelo bondoso Charles Xavier e seus X-Men. Ao longo da trama, são revelados detalhes de sua vida pessoal, seu mergulho no universo malicioso de Emma Frost e o caminho até a redenção. Tudo isso em meio às transformações da adolescência.
O apelo psicológico capturou o interesse da desenhista da minissérie, Mary Wilshire, que na época contava com um merecido reconhecimento por seu trabalho na série em quadrinhos da guerreira Sonja e começava a trabalhar nas HQs da equipe de mutantes juvenis Novos Mutantes. “Eu gosto de desenhar material com apelo emocional. Com Firestar, Tom escreveu algo tão poderoso que fiquei impressionada. A tendência é pensar que um homem não seria capaz de escrever uma história verdadeiramente poderosa sobre as dificuldades no caminho de uma garota adolescente, mas ele conseguiu”.
Da mesma forma, DeFalco também se curvou ao talento da parceira: “Mary possui uma imensa sensibilidade para lidar com pessoas com as situações vividas por elas, e isso fica claro à medida que Mary vai revelando a adolescente assustada que Firestar verdadeiramente é. O terror que surge a partir da arte é incrível”.
A minissérie também traz o mérito de contar com um grande poderio feminino. Além de ser protagonizada por uma heroína e desenhada por Wilshire, Firestar foi editado por Ann Nocenti, que vinha de uma fase de sucesso como editora da série dos Novos Mutantes – em que também trabalhou com Wilshire – e que, no ano seguinte se destacaria como uma das mais prolíficas roteiristas das HQs do Demolidor. A minissérie foi colorizada ainda por Daina Graziunas, artista que se tornou mais conhecida pelo trabalho que fez nas HQs do aventureiro espacial Dreadstar em 1989 ao lado do então marido Jim Starlin.
No Brasil, Angelica Jones estreou em Superalmanaque Marvel 1 (Ed. Abril, 1989) – dois anos depois daquela explicação de Sérgio Figueiredo na seção de cartas de Homem-Aranha 53 –, em que foi apresentada não como Estrela de Fogo, e sim como Flama, nome usado ainda hoje. O autor da mudança foi o principal tradutor das HQs Marvel/Abril na época, Jotapê Martins, que optou pela mudança a fim de evitar conotações jocosas que sugerissem que a heroína pudesse estar embriagada, ou no bom português, de fogo. “O nome Estrela de Fogo estava descartado antes mesmo de ela virar uma personagem de HQ”, disse-me Jotapê, que detalhou: “Considerei Estrela Flamejante, mas já havia Águia Flamejante, além de ser extenso”.
Até onde sei e de acordo com o Guia dos Quadrinhos, o maior e mais respeitado catalogador de gibis publicados no Brasil, a minissérie Firestar permanece inédita em nosso país. Não creio que haja planos de publicação desse material em nosso país, mas não tem problema, pois para quem foi apaixonado pela Estrela de Fogo, aquela antiga paixão de criança é uma chama que nunca vai se apagar.
Capa de Firestar 2 por Mary Wilshire (ilustração) e Bob Wiacek (arte-final)
A artista Mary Wilshire captou o terror vivido por Angélica Jones
Rainha Branca aliciando Angélica Jones. As ilustrações de Mary Wilshire podem ser melhor aproveitadas com a finalização de Bob Wiacek…
…mas perdem poder ao serem finalizadas por Steve Leialoha, como aconteceu nas edições 3 e 4 da minissérie Firestar
Capa fulgurosa de Firestar 4 por Barry Windsor-Smith
Essa foi a edição 91 da newsletter SOC TUM POW, e com ela trago a capa de mesmo número de alguma série em quadrinhos. Como falamos de Mary Whilshire e sua passagem pelos Novos Mutantes, escolhi a capa de New Mutants 91 (1990). A ilustração é de Rob Liefeld.
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