De volta ao básico
Lançada vinte anos atrás, a série Surpreendentes X-Men está entre uma das preciosidades deixadas por John Cassaday e resgatou os elementos que tornaram os mutantes um sucesso
Assim que chegou às comic shops, em julho de 2004, a edição de estreia de Astonishing X-Men foi direto para o topo da lista dos gibis mais vendidos do mês, com quase 210 mil cópias. O mérito se deve aos nomes envolvidos no novo título: o roteirista e diretor de séries de TV Joss Whedon, então conhecido principalmente pelo seriado Buffy, a Caça-Vampiros, e o recentemente falecido artista John Cassaday, na época aclamado por seu trabalho em Planetary, a série em quadrinhos que desenhava desde 1999 e que lhe rendeu o Prêmio Eisner. Se a fama dos criadores serviu de isca para o número 1, foi o talento deles que segurou a atenção dos leitores por quatro anos e resultou em um material que extraiu o melhor dos X-Men.
Não que as histórias dos mutantes estivessem ruins antes deles – na verdade, as HQs vinham de uma ótima fase capitaneada pelo roteirista Grant Morrison desde 2001 –, mas o excesso de mortes, ressurreições e viagens no tempo ao longo dos então mais de 50 anos de publicação transformaram a cronologia do grupo em um campo minado. Quando Whedon e Cassaday assumiram, eles apostaram em uma volta às origens. “Queríamos retornar à essência do que faz a equipe funcionar, mas sem mudar a história ou desconsiderar a continuidade”, explicou Cassaday em 2005.
A contratação da nova equipe criativa foi ótima para a Marvel, pois o editor Joe Quesada quebrava a cabeça para encontrar um substituto à altura de Morrison, que deixou as HQs dos X-Men repentinamente após discutir com o vice-presidente Bill Jemas. Whedon, por sua vez, tinha acabado de se despedir da série de TV Buffy, que chegou ao fim em 2003, na sétima temporada. Quanto a Cassaday, ele e Quesada já tinham conversado sobre o artista assumir os X-Men, mas não tinham chegado a um acordo. “Foi o fato de Joss embarcar no projeto que me fez aceitar”, revelou.
A trama
O retorno às origens se faz notar na composição da equipe mutante. Na primeira edição, Kitty Pryde, uma das personagens favoritas dos fãs e que estava longe das HQs do grupo há três anos, volta à Mansão X, onde se une ao Ciclope, Emma Frost, Fera e Wolverine. Assim como ela, seu grande amor Colossus (morto em The Uncanny X-Men 390, em 2001), retorna na edição 4 de Astonishing. Com esse elenco, Whedon e Cassaday desenvolvem seu trabalho, publicado em Astonishing X-Men 1 a 24 e no especial Giant-Size Astonishing X-Men, entre 2004 e 2008.
Superdotados, o primeiro dos quatro arcos de história, apresenta a Cura Mutante, uma droga capaz de eliminar mutações. Desenvolvida pela cientista Kavita Rao, a substância causa tumulto na sociedade e polêmica entre os heróis, pois um x-man pretende usá-la. A trama seguinte, Perigoso, é focada na natureza da Sala de Perigo – o local de treinamento da equipe –, enquanto o terceiro arco, Destroçados, explora a participação da ex-vilã Emma Frost como membro do grupo. Todas essas histórias trazem elementos que se integram no último arco, Incontrolável, em que os mutantes vão a outro planeta para impedir uma civilização alienígena de destruir a Terra.
Em sua trajetória, Whedon e Cassaday certificaram-se de criar histórias sem ignorar a cronologia, e isso resultou em um material fácil de ser compreendido e repleto de referências a eventos do passado. Quando Kitty volta à Mansão X, por exemplo, ela é tomada por recordações que remetem a antigas histórias da equipe, como a de The Uncanny X-Men 168 (1983), em que ela chamou o Professor Xavier de idiota. Já o retorno de Colossus resgata as HQs da década de 1990 e início dos anos 2000, quando mutantes de todo o mundo sofriam com a epimedia de um vírus letal que levou o x-man blindado à morte. Até mesmo a clássica cena de Wolverine no esgoto, mostrada em The Uncanny X-Men 132 (1980), é homenageada em Astonishing X-Men 15 (2006), com Kitty no lugar de Logan.
Ao contrário de muitos autores que trabalharam com os X-Men, Whedon e Cassaday focaram o potencial dramático do grupo e encontraram a medida certa entre cenas de ação e diálogos inteligentes. Assim como Chris Claremont (roteiro) e John Byrne (arte) fizeram décadas antes deles, a nova dupla criativa apresentou personagens complexos envolvidos em situações interpessoais que parecem mais perigosas que os próprios combates contra os vilões. O racional Fera, por exemplo, angustia-se por acreditar que está involuindo, enquanto Kitty e Colossus tentam reacender a chama de um relacionamento que parece estar desgastado. Ao mesmo tempo, Ciclope se esforça para provar a todos que ainda é capaz de liderar a equipe e Emma Frost encara a desconfiança do grupo. Por fim, Wolverine estabelece parceria com mais uma heroína mirim, Armadura, assim como fez anos antes com Kitty.
Outro recurso usado por Whedon e Cassaday foi devolver a natureza “super-heroica” aos X-Men que, naquela época, pareciam mais uma mistura de guerrilheiros com celebridades. Assim, o roteirista eliminou a personalidade e o visual sombrio criado na era Morrison, resgatou os trajes coloridos e criou várias cenas em que a equipe sai de sua base para combater o mal. Na edição 2, por exemplo, eles invadem um prédio tomado por sequestradores, e no número enfrentam um monstro gigante em Manhattan. Nada mais super-herói que isso.
Recepção calorosa
A altíssima qualidade de Astonishing X-Men se refletiu nas vendas e tanto as 24 edições da série quanto o especial em tamanho gigante ficaram entre as dez HQs mais vendidas em seus meses de lançamento – na verdade, raramente estiveram fora da lista dos cinco gibis mais vendidos de cada mês. Mesmo competindo com grandes lançamentos da Marvel (como a estreia de Novos Vingadores) e da DC (como a minissérie Crise de Identidade), cada edição de Astonishing vendeu, em média, 125 mil exemplares, vendas que somadas representaram um faturamento de cerca de US$ 10 milhões para a Marvel entre 2004 e 2008.
Astonishing X-Men levou o Prêmio Eisner em 2006 na categoria Melhor Série Contínua – o título já havia sido indicado em três categorias no ano anterior – e rendeu a John Cassaday o prêmio de Melhor Artista em 2005 e 2006.
Com tamanha aceitação pelo público, a série Astonishing foi escolhida para estrear os motion comics da Marvel. Técnicas de animação foram aplicadas ao traço de Cassaday e o roteiro de Whedon foi seguido à risca, o que gerou uma versão em movimento das HQs da dupla. O trabalho foi dirigido pelo próprio Cassaday em parceria com o ilustrador veterano Neal Adams. O primeiro arco de histórias, Superdotados, foi lançado no iTunes em 2009, e os demais em 2012. Todos ganharam versões em DVD posteriormente e podem ser vistos no YouTube atualmente.
As HQs inspiraram o filme X-Men: O Confronto Final (2006), que tem grande parte de seu roteiro baseado no arco Superdotados e apresenta a Cura Mutante e a cientista Kavita Rao. O anime X-Men (2011) também aproveita elementos dessa fase, como a mutante japonesa Armadura. Em 2010, a revista jornalística Wizard escolheu os X-Men de Whedon e Cassaday como capa de sua edição 219, cuja matéria principal anunciava os dez melhores quadrinhos daquela década.
No Brasil, Astonishing X-Men recebeu o nome de Surpreendentes X-Men e tem sido publicada diversas vezes há quase vinte anos, sendo sua primeira publicação lançada de maneira irregular entre as edições X-Men Extra 46 e 81, de 2005 a 2008. A republicação mais recente saiu em abril de 2024 como o álbum de luxo Marvel Essenciais: Surpreendentes X-Men - Talentos Perigosos. Todas as versões são da Panini.
Após a série, os autores seguiram caminhos diferentes. Whedon se tornou o grande nome por trás dos dois primeiros filmes dos Vingadores, enquanto Cassaday manteve uma prolífica carreira, em especial como capista, destacando-se em Star Wars (Marvel), Hellblazer (DC), Doc Savage (Dynamite) e outros títulos de diversas editoras. Ele também brilhou como artista de séries mensais, como Fabulosos Vingadores (entre 2012 e 2013) e minisséries, caso de Eu Sou Legião (2009). Cassaday faleceu em 9 de setembro de 2024 de parada cardíaca aos 52 anos, mas seu talento viverá eternamente em páginas como as de Supreendentes X-Men.
A formação dos X-Men contou com personagens bastante familiares ao público
O trabalho de John Cassaday em X-Men rendeu a ele o Prêmio Eisner de Melhor Artista
Página original de Astonishing X-Men
Capa da Wizard 219 com destaque para Astonishing X-Men
Essa foi a edição 107 da newsletter SOC TUM POW, e com ela trago a capa de mesmo número de alguma série em quadrinhos. Desta vez, a capa é de uma revista jornalística sobre quadrinhos: Wizard 107, de 2000, publicada no hype do longa-metragem X-Men: O Filme, lançado naquele ano. Focada na versão cinematrográfica do vilão Dentes de Sabe, esta é uma das três capas variantes da edição, que contou ainda com uma capa protagonizada pela versão live action de Wolverine e outra dedicada ao Professor Xavier, todas de autoria Joe Jusko. Essa ilustração chamou minha atenção por revelar que havia algum potencial na malfadada caracterização do vilão para o cinema. O que não funcionou bem nas telas parece ter funcionado melhor no papel, em que é possível visualizar a ferocidade do personagem.
A newsletter SOC TUM POW tem grupo no WhatsApp exclusivo aos SOC TUM POWERS, os assinantes da versão paga da newsletter. É um espaço para essa parcela do público se conhecer, trocar dicas de HQs, debater sobre a indústria dos quadrinhos, sugerir pautas, comentar matérias e falar de tudo que nos parecer interessante sobre gibis e afins.
Na última semana, o papo por lá foi sobre John Cassaday (claro), capas de gibis da Abril, Dentes de Sabre, o seriado do Zorro dos anos 1950, a versão de “hominhos” da coleção Marvel Legends: Secret Wars, novidades do canal Ministério dos Quadrinhos e mais.
Se você tem interesse em participar do grupo basta migrar para a assinatura paga. Se você já é assinante da versão paga basta solicitar a entrada no grupo por meio desse link.
Encontrou algum erro nos textos acima? Quer fazer um elogio? Quer participar por comentários? É só escrever.
A newsletter conta com a boa e velha divulgação boca a boca e tem participação mínima em redes sociais. Se você gostou, ajude compartilhando com os amigos, pois é isso o que impulsiona a SOC TUM POW.
Amo X-men, e apenas de termos algumas coisas bem recentes como a fase do Hickman ou a atual do Kieron Gillen, ou até a incrivel X-Force do Remmender, para mim a última fase marcante com tramas, personagem, roteiro e desenhos perfeitos, foi a fase do Whedon e Cassaday.