Dobradinha fantástica
A publicação de HQs do Aranha e do Quarteto em uma só revista foi prática recorrente no mercado nacional e compôs um dos mixes mais tradicionais de nossas bancas
As edições de Homem-Aranha, a série mensal que a Editora Abril vinha publicando desde 1983, eram as primeiras a serem buscadas por mim em minhas visitas aos sebos na década de 1990. Cada número encontrado era uma alegria, na verdade, três, pois além de aumentar a coleção eu podia ler uma HQ do Aranha e uma do Quarteto Fantástico, já que durante muito tempo as tramas da equipe foram publicadas na revista do herói. Essa solução compôs um dos mixes mais formidáveis que já vi, e o curioso é que a Abril não foi a primeira a recorrer a ela.
Com essa dobradinha, a Abril reuniu em um só lugar o personagem mais popular da Marvel e a aclamada fase do Quarteto Fantástico produzida por Jonh Byrne. “O Quarteto não era popular entre nossos leitores, mas na época de Homem-Aranha 33, a gente sabia de velho que vinha coisa boa pela frente”, explicou o tradutor João Paulo Martins, o Jotapê, o principal responsável pela programação do conteúdo das revistas da Marvel na época.
Foi durante a programação anual realizada em 1985 que ele e o amigo e editor Hélcio de Carvalho decidiram que as histórias do Quarteto começariam a sair na série do Amigão da Vizinhança no ano seguinte, a partir da edição 33. O motivo da decisão se perdeu no tempo, mas Jotapê se lembra do que norteava o processo. “Não havia diretrizes rígidas para programar as séries e compor o mix de cada uma. Era tudo muito empírico e matizado com algumas pitadas de bom senso. O mix devia ser equilibrado”, relembrou. “A participação do dono da revista era obrigatória, mesmo se suas histórias não estivessem tão boas, mas a coisa era diferente com os convidados, que tinham que trazer força para a série”.
Para os leitores foi uma manobra vantajosa, pois além do início do aguardado trabalho de Byrne com o Quarteto no Brasil – que já estava em andamento nos Estados Unidos desde 1980 –, o mix logo passou a apresentar uma fase do Aranha elogiada pelos fãs até hoje, marcada por histórias escritas por Roger Stern e desenhadas por John Romita Jr. (atualmente, em republicação no Brasil na coleção A Saga do Homem-Aranha, da Panini).
Antes disso, o título contava com um mix que não tinha regularidade composto por histórias do Aranha pareadas com as de heróis como Ka-Zar, Mulher-Aranha e outros que ajudassem Jotapê e Hélcio a organizar a cronologia Marvel no Brasil. “Nosso objetivo era sincronizar a cronologia dos personagens, selecionando as melhores histórias”, comentou Jotapê.
Primeiro encontro
O curioso é que a dobradinha Aranha/Quarteto não foi primazia da Abril e já tinha sido aplicada pela Ebal nos anos 1970. Primeira editora a publicar as HQs do Aranha no Brasil, a empresa carioca faturava alto com a série mensal O Homem-Aranha, iniciada em 1969. Para se ter uma ideia, enquanto as revistas dos outros personagens vendiam cerca de 75 mil exemplares por mês, a do herói passava dos 100 mil.
Cada edição trazia três histórias do personagem, mas a partir da edição 38 (maio de 1972) a série passou a apresentar duas HQs do herói e uma do Quarteto por gibi devido a uma manobra editorial que não rendeu grandes explicações ao público. “A partir deste número, as aventuras do Quarteto Fantástico sairão nesta revista, em capítulos, ao lado das aventuras completas do Homem-Aranha”, dizia o breve aviso do editor posicionado na página de abertura da trama da equipe. Esse arranjo foi mantido até a edição 43 (outubro de 1972) e abandonado na edição posterior, quando o título mensal voltou a ter três histórias do Amigão da Vizinhança.
A popularidade do Aranha gerou um problema para a Ebal, pois devido ao ritmo de publicar três HQs do herói por edição, ela se aproximou perigosamente da cronologia do herói nos Estados Unidos. Isso quer dizer que qualquer atraso no envio de material por parte da Marvel ou problemas no transporte deixariam a editora brasileira sem margem de manobra em seu processo de produção. Para abrir distância, ela deixou de lançar histórias inéditas e partiu para a republicação das primeiras histórias do Aranha. Meses depois, retomou as histórias atuais e recorreu novamente à dobradinha com o Quarteto, mas então com duas tramas da equipe por edição e apenas uma do herói.
Dessa vez, o editor fez pompas e circunstâncias sobre a volta da equipe e providenciou um editorial na segunda capa de O Homem-Aranha 62 (maio de 1974): “Dividindo estas páginas da revista O Homem-Aranha com Peter Parker, aqui teremos a volta do Quarteto Fantástico (...), que já teve revista própria, mas agora vai dividir com o Homem-Aranha as honras desta revista”. O texto ainda acompanhou uma rápida recapitulação da origem do grupo e ficha de cada um de seus integrantes. Aranha e Quarteto compartilharam a série até a edição 69 (dezembro de 1974). A revista foi encerrada na edição seguinte.
Parceria marcante
Ao ser reproduzida na Abril anos depois, a dobradinha provou ser bem mais duradoura do que na Ebal, sendo mantida não por alguns meses, mas por cinco anos, de 1986 a 1991. “No fim, esse foi um exemplo de planejamento que deu certo. Acrescentamos o Fantastic Four na revista selecionando números pré-‘back to basics’ do Byrne, apresentamos o Quarteto aos leitores do Aranha e depois começamos os cinco anos de domínio do Byrne, oferecendo ao público um mix bem forte”, concluiu Jotapê.
Ao todo, foram 51 edições em que Aranha e Quarteto foram mostrados lado a lado, até Homem-Aranha 98, quando o arranjo chegou ao fim. “O motivo para esse fim se chama Web of Spider-Man”, revela Mario Luiz Barroso, editor da série na ocasião. “A revista do Aranha tinha três espaços de histórias e o Aranha tinha três títulos lá fora: Amazing [Spider-Man], Spectacular [Spider-Man] e Web. Não cabia mais mantermos as histórias do Quarteto, pois o Aranha estava ficando para trás. Mesmo fazendo Homem-Aranha Anual, especiais, etc., a gente não conseguiria fazer a cronologia dele avançar se aquele espaço do Quarteto ficasse ocupado”.
A necessidade de avançar na cronologia não foi a única razão que levou editor e equipe a encerrar o mix, e parte da responsabilidade recai sobre Superaventuras Marvel, a clássica série que ficou conhecida por compilar histórias de diversos heróis da Marvel no Brasil como Thor, Demolidor e Justiceiro. “As histórias de Superaventuras estavam caindo e precisávamos de alguém mais forte ali, então encaminhamos o Quarteto para ver se isso reforçava a revista“, revelou Barroso, que seguiu: “Com a saída do Walt Simonson de Thor, a série do Deus do Trovão ficou horrível e sabíamos que ela não segurava mais o leitor. Até tinha o Justiceiro com material muito bom, mas precisávamos de mais coisa para publicar. E já sabíamos da fase boa do Quarteto do próprio Simonson que estava por vir. Então foi isso, o Aranha precisava de espaço e Superaventuras precisava de um reforço”.
Ainda que a dobradinha tenha chegado ao fim, levo as lembranças das tardes e noites de diversão que ela me proporcionou e até hoje acredito que o melhor lugar para se publicar as histórias do Quarteto é na revista do Aranha. Acho estranho ler as histórias da equipe em outras revistas, o que me deixa com a impressão de que está faltando um dos membros desse quarteto que, em meu coração é, na verdade, um quinteto.
Página da primeira história do Quarteto publicada no gibi do Aranha pela Ebal (O Homem-Aranha 38)
Uma das primeiras histórias do Quarteto desenhadas por John Byrne. Essa foi publicada em Homem-Aranha 39 pela Abril
Essa foi a edição 96 da newsletter SOC TUM POW, e com ela trago a capa de mesmo número de alguma série em quadrinhos. Como o assunto é Quarteto Fantástico, escolhi a capa de The Fantastic Four 96 (1970) devido ao maravilhoso efeito causado pela figura do Pensador Louco em primeiro plano. Esse superdestaque dado a ele por Jack Kirby e Marie Severin tanto no traço quanto na cor conquistaram minha atenção. Uma capa ousada.
Se você encontrou algum erro nos textos acima, entre em contato para que possam ser corrigidos.
Caso tenha curtido a matéria, sinta-se livre para compartilhá-la.
Se você tem gostado de receber textos semanais, considere migrar para a assinatura paga. O apoio financeiro é importante para ajudar na produção de novas matérias.
legal