Ideias proibidas
Nem tudo o que os roteiristas sugeriram para o clássico desenho dos X-Men passou pelo crivo da Fox e muitas ideias ficaram só no papel
A série animada X-Men foi um fenômeno de popularidade nos anos 1990, e seu resgate com a estreia de uma nova temporada em março deste ano, nomeada X-Men 97, só atesta seu apelo junto ao público. Parte do sucesso da antiga atração se deve a qualidade das histórias, em sua maioria criadas exclusivamente para a TV por uma equipe de roteiristas que precisaram lidar com muitas imposições do departamento da Fox Kids que decidia o que podia e o que o não podia ser exibido pelo canal.
Ao longo das cinco temporadas produzidas entre 1992 e 1997, foram apresentadas mais de 400 possibilidades de histórias, das quais 76 se tornaram episódios. Essa peneira contava com diversos fatores, como a grande quantidade de pessoas envolvidas no projeto, como a mentora da série, a produtora Margareth Loesch, e seu chefe e também produtor Sidney Iwanter. Do lado da Marvel, o desenho ainda contava com pitacos de Stan Lee (cocriador dos X-Men), Bob Harras (editor dos gibis da equipe na época) e Tom DeFalco (editor-chefe), que participavam com grau de influência mínimo.
Um obstáculo ainda maior foi lidar com as várias demandas do Broadcast Standards & Practices, um departamento presente em muitas emissoras encarregado de definir o conteúdo dos programas exibidos e de solicitar mudanças para que o conteúdo fique dentro das diretrizes da empresa. As interferências no desenho dos mutantes foram tantas que o caso se tornou notório e apontavam para questões como cenas de afetividade e de violência.
No episódio Longshot (5ª temporada), por exemplo, em que a adolescente Jubileu fica apaixonada pelo herói de outra dimensão Longshot, o departamento aponta: “Que o beijo entre Jubileu e Longshot seja breve”, remetendo a uma cena em que os dois se beijam no fim da trama. No episódio Arma X, Mentiras e Videotapes (3ª temporada), em que Logan descobre detalhes sobre seu passado, o departamento aponta a preocupação na luta entre o herói e o vilão Dentes de Sabre: “Não mostrar Wolverine e Dentes de Sabre se batendo, ou seja, socando um ao outro com os punhos”.
Essa diretriz de camuflar a violência pode ser a explicação para vários cortes demandados pelo Standards & Practices. No episódio Longhshot, lê-se: “atenção para que Slagg não dê um tapa com as costas da mão no rosto de Wolverine”. No mesmo episódio é pedido que o herói Longshot não seja mostrado com sangue em seu corpo e estabelece ainda que Wolverine não deve ser retalhado nas costas por um lobo. “E nem que as garras de Wolverine toquem o lobo”, completou o relatório remetendo a seres que sequer eram lobos como os conhecemos, e sim criaturas de metal de outra dimensão, os Warwolves (ou Lobisomens Guerreiros, como são conhecidos no Brasil).
O setor também ficava atento para impedir conotações religiosas e culturais ou mesmo chocantes em alguns episódios. Em Arma X, Mentiras e Videotapes, por exemplo, foi vetado que Dentes de Sabre se referisse a amada de Wolverine, Raposa Prateada, como “squaw”, um termo pejorativo usado como forma de objetificar mulheres indígenas. Já no episódio O Santuário (temporada 4), o memorando do Standards & Practices pede: “Por favor, evite que Cortez chame Magneto de ‘salvador’ e não nomeie os seguidores do vilão de acólitos”. Também houve insistência para que o nome do vilão Fabian Cortez fosse alterado para algo não-hispânico por não existir um herói hispânico que pudesse trazer equilíbrio para a conotação negativa do personagem. No mesmo pensamento de preservar outras culturas, o departamento orienta: “Não será permitido que Cortez destrua um símbolo como a Torre Eiffel. Talvez ele possa explodir uma montanha ou algo assim no lugar”.
Além disso, algumas ideias que poderiam ser tidas como perturbadoras também foram vetadas, como em A Perda de um Amor (4ª temporada). O episódio foi escrito para garantir a estreia da raça alienígena Ninhada, uma tradicional ameaça nas HQs dos X-Men, mas a participação dos alienígenas foi vetada devido a sua aparência semelhante a de insetos e por colocarem ovos dentro das pessoas. No lugar da Ninhada, foi apresentada a Colônia, uma raça extraterrestre com aparência reptiliana e dotada de tentáculos biônicos em vez dos tentáculos naturais da Ninhada. E claro, sem usar as pessoas como chocadeiras.
Assim como esses exemplos, há diversos outros de como o Standards & Practices da Fox Kids influenciou o conteúdo da série animada, mas longe de serem os vilões dos bastidores, aqueles funcionários estavam atentos a detalhes que pudessem colocar a série em risco. É difícil afirmar se suas ações contribuíram ou não para o sucesso do desenho nos anos 1990, mas o saudosismo que atravessou décadas e o resgate da série dos X-Men em 2024 é sinal de que algo de positivo pode ter saído em meio tantas restrições.
A Colônia foi a forma encontrada pela Fox para substituir a Ninhada no desenho
Um dos seguidores de Magneto, Fabian Cortez, foi motivo de debate nos bastidores da animação
Essa foi a edição 87 da newsletter SOC TUM POW, e com ela trago a capa de mesmo número de alguma série em quadrinhos. A escolhida foi a capa de The New Mutantes 87 (1990), edição que marca a estreia do guerrilheiro do futuro Cable. A ilustração da capa é de autoria de Rob Liefeld (cocriador do personagem em parceria com a editora e roteirista Louise Simonson) e Todd McFarlane, responsável pela arte-final da imagem.
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